No nosso grupo de estudo do mestrado, Cris levantou uma questão importante a respeito da natureza da “imersão” enquanto experiência estética, e também sua relação com a narrativa, usando como base de referência a obra de Janet Murray, Hamlet no Holodeck, que dedica um capítulo à imersão enquanto experiência estética.
Afinal o que é imersão? Eu achava que imersão era tudo que nos permitia “mergulhar” numa história, por exemplo, livros e filmes nos permitem uma experiência imersiva muito forte. Visto por esta perspectiva, o conceito de imersão está ligado diretamente à presença de uma narrativa.
Então surgiu a questão: e se a pessoa está muito concentrada numa aula, por exemplo? É imersão? Eu achei que era. Também recebi uma propaganda via email, de um evento gastronômico que acontece em São Paulo este mês, e o texto nos propunha “cinco dias de imersão no universo gastronômico”.
Aí Brenda explicou que precisamos ter um ponto de referência para analisar o conceito de imersão, porque senão, até se você mergulha no mar pode ter uma experiência de “imersão” (e considerando que o conceito estético surgiu a partir da experiência física de mergulhar, de estar envolto em líquido). E que a referência no caso era a obra de Janet Murray, que liga a experiência imersiva a narrativas e acho que é assim porque ela delimita seu campo de estudo àquele do conceito de imersão enquanto “experiência estética”. Acho que neste campo, a narrativa deve estar presente.
Outra questão importante é a seguinte: “existe imersão por exemplo quando leio uma matéria de jornal?” Eu, como jornalista, afirmei que sim, pois o jornalismo também é narrativa, e uma matéria pode nos emocionar, nos indignar, enfim, nos permitir “mergulhar” no universo de significados que propõe.
Mas esta é uma visão pessoal minha, que naturalmente me foi passada por autores e professores, discursos que aprendi ao longo de minha formação. Quando entrei na faculdade de jornalismo, acreditava que um dos pilares da profissão era a objetividade e a imparcialidade. Mas na faculdade aprendi que embora eles permaneçam como indicadores de sentido, como ideais a serem buscados, são impossíveis de realizar completamente na prática. Seja porque não há tempo de apurar todas as informações necessárias, seja porque é da constituição humana não conseguir perceber a totalidade de uma situação ou acontecimento e de representar um cópia fiel da realidade.
Lógico que não se pode relativizar tudo. Existe um nível de jornalismo que se aproxima muito da objetividade, que é aquele puramente informativo, como por exemplo uma matéria com o título: “Publicado edital do mestrado em comunicação da UFPE”. Há pouco espaço para o viés pessoal da pessoa que redige uma matéria assim. Mas a maior parte do jornalismo não é esta, é justamente a que lida com discursos (e na matéria acima distingue-se naturalmente também um discurso, o de que a formação acadêmica é socialmente valorizada, mas é menos explícito que em outras matérias), com problemáticas sociais e que tem muito de opinião, de visão de mundo, de “recortes” da realidade.
Então ver o jornalismo como narrativa é uma forma de ver o jornalismo, não uma verdade absoluta. Eu aderi a este discurso, que vê o jornalismo como narrativa, por concordar mais com ele do que com os discursos (de alguns veículos de comunicação inclusive) que veem o jornalismo como verdade, como “representação da realidade social”. Eu acredito que não é assim, e que é perigoso pensar assim, porque fica-se à mercê do poder manipulador do jornalismo, hoje infelizmente compreendido muito mais como indústria, como mercado, desprezando a importância desta atividade no enriquecimento do debate social e portanto na busca de uma democracia mais verdadeira e inclusiva.
Na UFPE, eu percebi o curso de jornalismo com uma tendência muito voltada para ver o “invisível”, aquele que não tem “voz” na pauta da mídia, as pessoas que não aparecem (e por que não aparecem), o que está na periferia. Aprendemos a questionar os discursos mais aceitos, que na minha época (98 a 2003, mais ou menos), a gente aprendeu a chamar de “discurso hegemônico”. Mas esta é uma visão dentre outras, um discurso dentre outros, e de forma alguma deve ser compreendido como verdade absoluta.
Resumindo: O jornalismo é imersivo, é narrativa? Sim, o jornalismo é imersivo, de acordo com a visão que o considera uma atividade narrativa com características diferentes das obras narrativas artísticas, por exemplo, a literatura e o cinema.
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